Um novo ciclo de desenvolvimento
Ao iniciar este novo ciclo de desenvolvimento, a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este era uma entidade que já tinha adquirido uma considerável solidez, tanto do ponto de vista financeiro como da capacidade das suas infraestruturas. Contando com 1.636 consumidores abastecidos por uma rede com uma extensão apreciável, toda ela suportada por adequados postes de cimento, dispunha então de nove postos de transformação, adquirindo mais de 600.000 kWh de energia elétrica, dos quais vendia cerca de 490.000 kWh, com um ativo de 1.261.290$90 e um saldo positivo que nesse ano de 1963 atingiu os Esc.: 223.750$90.
A Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este encontrava-se, deste modo, em condições de fazer face aos novos desafios que se avizinhavam, nomeadamente as implicações resultantes da entrada em funcionamento das novas modalidades de tarifas de energia, assim como dos investimentos que iria ter de efetuar, tanto na conservação e melhoria da rede como na projetada eletrificação da freguesia de Gondifelos.
Não obstante a sua boa situação económica, a Cooperativa mantinha inicialmente uma certa apreensão sobre os efeitos que a adoção das novas tarifas poderia provocar. De facto, apesar de se prever um maior consumo de energia no terceiro escalão, os resultados que daí adviriam seriam praticamente nulos, podendo mesmo vir a ser negativos. Os resultados de 1963 vieram, no entanto, dissipar aquelas preocupações dado que se revelaram muito superiores ao que inicialmente se previra. Na realidade, o facto de se fomentar o aumento de venda de energia a preços mais reduzidos, não implicava necessariamente uma diminuição dos lucros da eletricidade vendida dado que existia, simultaneamente, uma evidente compensação pela obtenção de outras receitas.
Deste modo, a CEVE poderia concretizar, sem problemas de maior, o seu plano de eletrificação da freguesia de Gondifelos - uma aspiração que datava de, pelo menos, 1934, cujos trabalhos já se encontravam bastante adiantados, não obstante o elevado investimento que aquele melhoramento requeria - superior a 50% do capital da Cooperativa - e o prometido auxílio por parte do Governo ter tardado a chegar.
Em 1965, ano em que a CEVE viu aprovado o seu estatuto de entidade de utilidade pública, prosseguiram os trabalhos de reforço de linhas - uma exigência prévia à instalação de novos postos de transformação.
A Cooperativa procurou também dar a maior colaboração à instalação de novas redes de iluminação pública, correspondendo à vontade e aos desejos das Juntas de Freguesia e da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, não obstante este tipo de melhoramentos representar um significativo encargo, ainda que contribuíssem fortemente para a valorização das freguesias.
Os resultados do exercício de 1965 tinham evidenciado uma situação que começava a preocupar os dirigentes da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este, dado que se vinha registando uma apreciável diminuição do lucro líquido quando a venda de energia ultrapassava os 100.000 kWh, ou seja, estava-se perante a "prova evidente de que houve bastante maior consumo no terceiro escalão, exatamente aquele que nenhum lucro nos dá (...)", podendo mesmo dar prejuízo, pois acabava por se vender abaixo do preço de custo.
As transformações que ocorreram na sociedade portuguesa ao longo da década de 1960 fizeram-se igualmente sentir nesta região que integrava a área concessionada pela Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este. O progressivo aumento do nível de vida material das populações - reflexo, em grande medida do facto de se estar perante uma região de forte emigração que agora começava a investir localmente os proventos arrecadados no estrangeiro -, com o constante aumento do número de novos fogos, assim como da generalização do uso de eletrodomésticos e da instalação de novas indústrias, conduziu a uma situação de aumento contínuo do consumo de energia elétrica.
Ao aproximar-se o início da década de 1970, com a situação económica estabilizada e uma rede de distribuição plenamente consolidada, a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este sentiu necessidade de não só efetuar um balanço do caminho percorrido há quase quatro décadas, como de prestar um reconhecimento público a todos aqueles que tinham tornado possível aquela caminhada. E, entre estes, ressaltava a figura do Dr. Daniel Nunes de Sá que desde 1935 integrava o Conselho de Administração da Cooperativa, desempenhado desde 28 de Fevereiro de 1937 as funções de seu Administrador-Delegado. Assim, na Assembleia Geral realizada em 30 de Março de 1969, sob proposta do sócio da CEVE e seu antigo Guarda-Livros, Senhor José Torres, foi aprovada por aclamação de todos os participantes a atribuição de uma medalha de ouro ao Dr. Daniel Nunes de Sá, em homenagem à dedicação e ao trabalho que ao longo dos anos vinha desenvolvendo em prol da Cooperativa.
Apesar do bom ritmo de realizações no âmbito da conservação e expansão das suas infraestruturas, a Cooperativa iniciava a década de 1970 com alguma apreensão. De facto, avolumavam-se as dificuldades de distribuição, motivadas pelo constante aumento do número de residências construídas e de novas indústrias instaladas, o que sobrecarregava excessivamente as redes de distribuição.
A partir de 1972, a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este irá entrar numa fase de sucessivos resultados negativos, que se prolongará até 1977. No entanto, embora o prejuízo verificado com a venda de energia no terceiro escalão constituísse uma preocupação a ter em conta, a razão principal que explicava esses resultados negativos resultava do facto de ter optado, durante este período, pela prossecução de uma política de reintegrações do valor do ativo corpóreo, com o objetivo de reforçar a sua consolidação.
O principal problema com que a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este se debateu durante este período residia, de facto, noutra questão, a dos consumos verificados no terceiro escalão, os quais, enquanto as tarifas de venda de energia não fossem modificadas, originariam um prejuízo constante. Não obstante se verificar um substancial incremento do consumo, não se registava um correspondente aumento dos lucros, pois a maioria dos consumidores estava a pagar a energia pelo preço do terceiro escalão, o qual não deixava a menor margem de lucro, originando até prejuízo. Apesar deste elevado consumo no terceiro escalão, a CEVE pouco ou nada lucrava com esta venda de energia, criando-se uma situação que, de facto, exigia uma urgente alteração, tanto mais que quase todos os outros distribuidores já tinham modificado as suas tarifas.
Por conseguinte, era imprescindível uma atualização das tarifas de venda de energia elétrica - nomeadamente a respeitante ao terceiro escalão -, para valores que fossem aceitáveis tanto para a distribuidora como para os consumidores, para que a CEVE pudesse conseguir um equilíbrio financeiro indispensável à sua viabilidade económica. Esse irá ser o objetivo principal a que, a partir de agora, irá consagrar toda a sua atenção, tomando a iniciativa de enviar, em Novembro de 1972, a cada uma das autarquias da sua área de concessão, um pedido de revisão do artigo dos respetivos cadernos de concessão respeitante às tarifas e condições de serviço.
O pedido de atualização das tarifas apresentado pela CEVE veio a ser aprovado pelo Secretário de Estado da Indústria, Dr. Hermes Augusto dos Santos, em 28 de Fevereiro de 1974, sendo essa deliberação comunicada à Cooperativa por ofício da Repartição de Concessões da Direcção-Geral dos Serviços Elétricos, de 8 de Março de 1974. Valerá a pena transcrever a anotação manuscrita, exarada na informação interna da Direcção-Geral dos Serviços Elétricos, que veio a merecer a aprovação do Secretário de Estado da Indústria.
Na Assembleia Geral realizada em 31 de Março de 1974, o Dr. Daniel Nunes de Sá pôde já informar os acionistas dos resultados positivos que o pedido de atualização das tarifas tinha merecido por parte do Secretário de Estado da Indústria. Não obstante esta boa notícia, insistiu ainda em salientar os efeitos negativos que o elevado consumo no terceiro escalão tinha provocado à Cooperativa. Esta intervenção, proferida na última Assembleia Geral realizada antes do 25 de Abril, permite-nos também apreciar alguns dos aspetos da atividade da CEVE, nas vésperas de um acontecimento político na sequência do qual irão ser introduzidas profundas alterações no sector elétrico nacional.
Os efeitos provocados pela atualização das tarifas de venda de energia registaram-se de imediato, ainda nesse mesmo ano de 1974, com a obtenção de um saldo positivo de Esc. 658.447$95, um quantitativo que, no entanto, a Cooperativa considerava não ser ainda suficiente para alcançar aquele clima tranquilo que tinha conhecido num passado não muito distante.
Não obstante a compensação obtida com a atualização das tarifas, os problemas não tinham deixado de se manifestar, pelo que pairavam sobre o futuro da Cooperativa duas ameaças que se apresentavam preocupantes.
A primeira, dizia respeito à anunciada introdução de novos sistemas tarifários que iriam ser impostos aos distribuidores - prevendo-se o aumento do preço do kWh em alta tensão -, medida que a Cooperativa esperava que não viesse a ser demasiado desfavorável, acabando por anular os benefícios resultantes das correções tarifárias entretanto efetuadas, as quais, em boa verdade, não tinham sido nem eram ainda suficientes para fazer face ao contínuo incremento dos encargos.
A segunda ameaça que pairava sobre o futuro da Cooperativa decorria da nacionalização, em 16 de Abril de 1975, das principais empresas concessionárias de produção, transporte e distribuição de energia elétrica na sequência da qual foi criada, no ano seguinte, a EDP - Electricidade de Portugal, sob a forma jurídica de Empresa Pública, e para a qual foram transferidos os patrimónios que eram da titularidade das empresas nacionalizadas. A esta nova Empresa foi atribuído, em exclusivo e por tempo indeterminado, o exercício do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia elétrica em todo o território continental, situação que no entanto viria a ser alterada em 1995 com a reestruturação então efetuada e a consequente criação da Entidade Reguladora do Sector Eléctrico. Deste modo, o futuro da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este parecia estar comprometido, chegando o próprio Dr. Daniel Nunes de Sá a admitir que ela apenas continuaria em atividade "até que o Governo determine, como tudo indica, a integração da Cooperativa na EDP".
Eram, de facto, muitos e bastante complexos os problemas de uma distribuidora de características como as da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este, com uma rede de distribuição demasiado extensa em algumas freguesias fundamentalmente rurais, cujo consumo de energia era muito escasso. A agravar toda esta situação, assistia-se nos últimos anos a um constante aumento do custo da energia, o que fazia com que as taxas de potência fossem o seu único meio de sobrevivência, embora na conjuntura inflacionária que então se registava tal não fosse suficiente para assegurar o pagamento atempado das faturas de energia à Empresa fornecedora em alta tensão. Como foi frequentemente sublinhado a CEVE vivia, nesta época, essencialmente das taxas de potência. Não obstante este constrangimento, a Cooperativa prosseguia infatigavelmente a sua política de melhoria e renovação das infraestruturas, procurado limitar as áreas de abastecimento, reforçando as linhas existentes, instalando novos ramais e construindo novos postos de transformação, assegurando uma mais eficiente distribuição de energia, com a constante diminuição de perdas, o que não deixava de constituir pesado encargo administrativo.
O início do ano de 1979 é marcado por um infausto acontecimento para a vida da Cooperativa com o falecimento, em 2 de Fevereiro, do Dr. Daniel Nunes de Sá.
À medida que se aproximava o final dos anos 70, podia-se facilmente constatar que aquela tinha sido uma década de constante aumento do consumo de energia elétrica na área de distribuição da Cooperativa, o que, obviamente, exigia constantes reforços de linhas e montagem de novos postos de transformação, necessitando estes de ser equipados com transformadores cada vez mais potentes. Eram os sinais dos tempos, numa região em que se registava um acentuado desenvolvimento socioeconómico, proporcionado em grande parte pela energia elétrica distribuída pela CEVE, assim como pela aplicação das economias dos emigrantes que agora começavam a regressar para se estabelecerem com pequenos comércios e indústrias.
A década de 1980 inaugurou-se da melhor forma para a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este, dado que no seu primeiro ano registou um lucro excecional, o melhor de sempre, no montante de Esc.: 3.337.971$62, constituindo uma prenda à altura do seu 50º aniversário, que seria comemorado em 18 de Dezembro desse ano.
Com o aproximar do final do ano, começou a preparar-se um conjunto de cerimónias tendo em vista as comemorações do Cinquentenário da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este. Para além da cunhagem de uma medalha de bronze - que seria oferecida a todos os sócios, empregados, e entidades civis e religiosas - foi elaborado um programa específico de comemorações, as quais se iniciaram com uma homenagem a todos os sócios fundadores, simbolizados nas pessoas dos dois primeiros Administradores-Delegados e grandes impulsionadores da Cooperativa, o Dr. Augusto Ferreira Machado e o Senhor Álvaro Gonçalves Ferreira de Macedo.
A situação financeira da Cooperativa, embora não se pudesse considerar preocupante, apresentava no entanto alguns sintomas de que algo não corria bem. Na realidade, o lucro da energia vendida vinha decrescendo de ano para ano, culminando em 1981 com um prejuízo de Esc. 2.304.946$25. Para alem disso, as taxas de potência continuavam a ser o suporte financeiro da Cooperativa. Aliás, só uma atenta revisão das taxas de potência por parte da Cooperativa ia tornando possível que esta conseguisse obter algum lucro na sua atividade distribuidora.
Entretanto, tinham sido promulgados vários diplomas legislativos que implicavam profundas alterações no sector cooperativo nacional e, consequentemente, na atividade da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este, a qual necessitava de se dotar de novas estruturas jurídicas que possibilitassem a sua continuidade. Este conjunto de diplomas englobava o Decreto-Lei nº 454/80, de 9 de Outubro - que aprovava o Código Cooperativo -, o Decreto-Lei nº 456/80, igualmente de 9 de Outubro - que aprovava medidas fiscais a aplicar às cooperativas -, assim como as respetivas Portarias, publicadas posteriormente. Um pouco mais tarde, foi também promulgado o Decreto-Lei nº 323/81, de 4 de Dezembro, que regulamentava as Cooperativas de Prestação de Serviços, abreviadamente designadas por Cooperativas de Serviços.
Esta situação levou a que a CEVE necessitasse de se adaptar à nova legislação, introduzindo as indispensáveis alterações nos seus Estatutos. Deste modo, na sequência de um aturado estudo tendo em vista a reformulação estatutária visando a integração da Cooperativa no âmbito da legalidade vigente, foram apresentados os novos Estatutos, que obtiveram uma aprovação unânime, sem quaisquer alterações, na Assembleia Geral Extraordinária realizada em 29 de Julho de 1982.
Para além destes documentos legislativos, importa ainda salientar a promulgação, em 20 de Maio de 1982, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/82, que definiu os princípios fundamentais para uma resolução global dos problemas referentes à distribuição de energia elétrica em baixa tensão, uma situação que se vinha arrastando há já algum tempo. Dois outros documentos com implicações importantes para a atividade da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este foram também promulgados neste período, como o Decreto-Lei nº 344-A/82, de 1 de Setembro - que criava uma moldura legal destinada à uniformização da tarifa de energia elétrica praticada em todo o País -, e o Decreto-Lei nº 344-B/82, de 1 de Setembro - que estabelecia os princípios gerais da distribuição de energia elétrica em baixa tensão, bem como as condições a que deviam obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração fosse efetuada nesse regime. Como veremos, este último Decreto-Lei revelar-se-á muito importante para a própria existência da CEVE pois, pela nova redação do seu artigo 1º - introduzida pelo Decreto-Lei n.º 297/86, de 12 de Setembro - virá a ser alargada às cooperativas a possibilidade de atribuição da concessão da distribuição de energia elétrica em baixa tensão, preenchendo-se assim uma lacuna existente na legislação que tinha sido anteriormente promulgada.
O extraordinário desenvolvimento que a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este tinha registado desde a sua fundação exigia que estivesse dotada dos meios materiais necessários a um adequado desempenho das suas tarefas. Nesta altura, as instalações da sua Sede Social, construídas em 1939, não só eram exíguas como já não dispunham de um mínimo de condições de trabalho para os serviços administrativos e, muito menos, para armazenar os materiais que as suas necessidades então obrigavam. Constatada aquela necessidade, e depois de aturados estudos e difíceis negociações, foi decidida a aquisição de um terreno para a construção de uma nova Sede.
Em 1982 a Cooperativa pôs em prática um vastíssimo plano de realizações que, entre muitas outras iniciativas, levou à construção de um importante conjunto de novos postos de transformação, que viria também a resolver o problema das quedas de tensão que se verificavam em vários pontos da rede.
Não obstante os elevados custos resultantes de todos estes investimentos, a Cooperativa chegou ao final do ano de 1982 com um saldo positivo de Esc. 4.340.442$00, o que, em termos financeiros, constituía o melhor resultado obtido desde a sua fundação.
Apesar desta situação bastante auspiciosa, pairava no horizonte um problema que cada vez mais se afigurava preocupante, o do débito à Eletricidade de Portugal. Em finais de 1982, a Cooperativa tinha um débito à EDP de Esc. 20.253.935$80, uma importância que, à primeira vista, parecia assustadora e de difícil liquidação.
Este período de vinte anos da vida da Cooperativa Eléctrica de Vale d'Este, entre 1963 e 1983, que consideramos corresponder a um novo ciclo de desenvolvimento, terminou da melhor maneira, ainda que com nuvens cada vez mais carregadas a perfilarem-se no horizonte. Pode dizer-se que, ao nível dos resultados, a Cooperativa vinha batendo todos os recordes conquistados anteriormente, como os de 1980 e 1982, uma vez que o resultado do exercício desse ano de 1983 - que alcançou o valor de Esc. 5.918.636$70 - constituiu o melhor de sempre desde a fundação, o que ao mesmo tempo era bem demonstrativo da boa gestão que vinha sendo conferida à sua atividade.